A Medicina Baseada em Evidências
- José Carlos Aquino de Campos Velho
- 17 de mai. de 2024
- 3 min de leitura
"O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes"
Cora Coralina
Movimento que modificou as bases científicas da Medicina. Iniciou por volta dos anos 1970, tendo por decano o médico inglês Archibald Cochrane, cuja vida pessoal e profissional foi muito rica em questões que transcendem de longe a medicina e a ciência médica. Cochrane, cujas reflexões estão nos alicerces da MBE, observou que, diferente de outras ciências (como a aeronáutica), a Medicina tinha bases científicas muito frágeis, baseadas em relatos clínicos e na opinião de grandes especialistas. A Biblioteca Cochrane é homenagem a seu pioneiro.
Primórdios da MBE
Inicia-se um movimento que se amplia de forma vertiginosa, com grande produção de trabalhos científicos baseados em metodologia rigorosa. Já em 1996, David Sackett escreve um artigo seminal no British Medical Journal, afirmando que a Prática Baseada em Evidências deveria levar em conta a experiência pessoal do médico e os valores do paciente,além do resultado das pesquisas.. Talvez o comentário não tenha sido devidamente valorizado, no que tange ao peso de suas afirmações.. Sabe-se que o capitalismo é muito sagaz na captação de novas iniciativas, absorvendo-as e as reinterpretando, para em seguida vendê-las com nova roupagem.
MBE : mais um produto à venda?
A MBE foi então absorvida pelos grandes laboratórios, que passaram a utilizá-la para vender seus produtos, nem sempre obedecendo à critérios éticos. De lá para nossos dias o movimento cresceu de vento em popa. O surgimento das grandes metanálises tornou a MBE a voz predominante na ciência médica. Na última década, Trisha Greenhaldt, também pioneira da MBE, percebeu que os rumos do movimento estavam trilhando caminhos questionáveis. A rigidez das fontes e da metodologia científica asfixiavam a capilarização de outros olhares e saberes caros à prática da medicina - que passavam a ser vistos com desconfiança e mesmo desprezo, por supostamente não se basearem nos cânones científicos predominantes - e conservadores, não no sentido sentido ponderado, mas político. A MBE, já um produto à disposição da BigPharma, reinava cada vez mais solitária. Greenhalgh apontou esta questão, propondo que as janelas se abrissem, para que luz e ar puro voltassem a banhar a MBE.
A sabedoria de William Osler
Willian Osler, médico americano do século XX, é considerado o pai da Clínica Médica. A sua visão da Medicina colocava ciência e prática, "ao pé do leito", como essenciais à formação do médico e a construção de sua sabedoria - "nossos pacientes são nossos maiores mestres". Luiz Venere Decourt, Professor Emérito de Cardiologia da FMUSP, afirmava que a boa medicina se nutre nas humanidades médicas. Embora já tivesse ouvido falar, tomei contato com uma expressão que atualiza a chamada arte da medicina :o anglicismo "soft skills". Cá entre nós, parece uma mercadoria. "Eu gostaria de 3 porções de soft skills". "Só vendemos no atacado". "5 kilos então". "Perdão, só temos SS líquidas". "Vou querer 3 litros então. Qual é a marca?".
Os vendilhões do templo
Você encontra MBE à venda nas redes sociais. Cursos e gurus de várias espécies estão disponíveis. Apesar de nem todos serem médicos, eles ensinam medicina. Se você for um seguidor fervoroso, tem desconto. A MBE merece um olhar mais atento, inclusivo, disruptivo, despido de conflitos de interesse. Um movimento menos deificado qual uma seita e principalmente afastado de um mercantilismo doentio, fato que pode comprometer seu papel essencial de trazer parâmetros de racionalidsde à prática médica. É uma ferramenta por demais valiosa para que caia na arraia miúda dos vendilhões do templo, instados a sacerdotes de um olhar que pode, ao fim e ao cabo, empobrecer e apertar o torniquete em torno da Medicina enquanto arte e ciência, esta sim transformadora, cuidadosa e versátil, que coloca em seu centro seu objetivo final: o cuidado qualificado, afetuoso, compassivo e contingente ao paciente. O cuidado que restabelece a efetiva e real conexão que é o fulcro da prática médica: uma relação clínica sólida e de confiança.

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