Curiosidade Médica
- José Carlos Aquino de Campos Velho
- 15 de mar. de 2024
- 3 min de leitura
"A culpa minha, maior, é meu costume de curiosidade de coração. Isso de estimar os outros, muito ligeiro, defeito esse que me entorpece."
Guimarães Rosa
No dicionário Google, elaborado na base de dados da Oxford Languages, curiosa é aquela pessoa que tem o desejo de ver, conhecer, experimentar, aprender; que é ou se comporta de modo zeloso, cuidadoso. Pouco se comenta a respeito, mas a questão da curiosidade médica tem sido objeto de várias públicações recentes.
Os protocolos e a autonomia médica
É possível que a curiosidade médica seja o maior antídoto para a arrogância médica. A curiosidade se interroga frente os protocolos. A Medicina Protocolar tem suas razões: parte da arrogância médica pode estar escondida por trás da presumida autonomia médica (recentemente abraçada -erroneamente - pelo Conselho Federal de Medicina como política institucional) que sugere que o médico tenha "autonomia para determinar o melhor a ser feito pelo seu paciente". E nisso as evidências científicas e o senso comum podem ser relegados à um segundo plano. Ao invés de, socraticamente, o médico pensar "eu não sei", ele pensa, "eu sei". Os serviços de saúde, sejam públicos ou privados, necessitam de referências às diretrizes clínicas para balizar o cuidado aos seus pacientes. Definitivamente, na medicina contemporânea, não existe mais espaço para "eu faço do meu jeito porque eu sempre fiz assim e sempre deu certo". Parte da Infodemia - a epidemia de desinformação que ocorreu durante a Pandemia pelo COVID-19 - foi decorrente desta atitude individualista e celerada de inúmeros médicos e pesquisadores, que pouco se valiam do olhar científico sobre a doença, preferindo dar vazão às suas crenças e convicções (muitas vezes determinadas por posicionamento político), e bradando suas teorias aos quatro ventos. Os protocolos vem reduzir este risco de condutas não só inconsequentes, mas também inconsistentes.
Porém o outro lado dos protocolos, fato também preocupante, é o enrijecimento das avaliações e decisões médicas, a pouca atenção à reflexão diagnóstica, o empobrecimento do raciocínio clínico e a falta de criatividade. Uma questão que fere mortalmente os protocolos é a negação da individualidade.
Curiosidade
É neste ponto que se insere a Curiosidade Médica como contraponto. O médico que perdeu a curiosidade e trata todos os casos da mesma maneira está perdendo sua alma - e a alma da própria Medicina. A expressão "caso clínico" faz parte do vocabulário médico. E não tem nenhum problema nisso. O problema é quando as pessoas se tornam apenas casos. Antes de existirem doenças, existem pessoas doentes.
A curiosidade permite que o médico se interrogue, se questione, se informe, estude. Converse com seus colegas e com a equipe multiprofissional. Reveja os exames, as prescrições. E principalmente, com tempo, atenção e empatia, ouça o seu paciente. Reveja sua história. Examine-o novamente ( lamentavelmente, talvez este paciente sequer tenha sido tocado até então). Pense na sua conduta e reflita sobre o que já fez - e o que já foi feito.
O paciente no centro do cuidado
A curiosidade médica recoloca o paciente no centro do cuidado. Por isso, é importante que o médico seja curioso: respeite o trabalho já realizado pelos colegas mas ao mesmo tempo alimente um saudável ceticismo. Particularmente naquelas situações que as coisas parecem não estar indo de acordo com o esperado. A pessoa continua sofrendo e tentar minimizar seu sofrimento é o que devemos, pelo menos, tentar fazer. A prática médica é uma permanente surpresa: o que parecia ser não é. O que deveria se comportar de uma determinada maneira, se manifesta de uma forma completamente diversa. A vida e a medicina estão inextrincavelmente ligadas - e a medicina é tão diversa como é a vida. O mesmo lugar é diferente no verão, no inverno, no outono e na primavera. É diferente de manhã, de tarde ou de noite. Assim são as pessoas e assim são as doenças. Portanto, se você quiser realmente ajudá-las, seja curioso. Atente às singularidades. Certamente, suas decisões clínicas serão mais acertadas e benéficas. E qual o objetivo maior da medicina, senão fazer o bem?

“Que Deus nos proteja:
da relutância em deixar as coisas como estão;
do zelo excessivo pelo que é novo, desprezando o que é antigo;
de colocar o conhecimento acima da sabedoria, a ciência acima da arte
e a esperteza acima do bom senso;
de tratar os pacientes como casos;
e de tornar o tratamento mais penoso que a própria doença.”
Comments