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Spleen

"O tédio é a expressão suprema da indiferença."

Ricardo León


Nunca havia ouvido falar do poeta espanhol Ricardo León. Mas ao procurar algo que me remetesse ao sentido da palavra tédio, dei de cara com essa afirmação: "o tédio é a expressão suprema da indiferença". E o que o tédio tem a ver com Spleen ? E o que spleen tem a ver com medicina? Vamos explorar a questão, a partir de uma perspectiva muito pessoal. Grosseiramente, Spleen comporta-se como o contrário da Curiosidade Médica. Vamos tentar entender melhor este impasse. De certa maneira, vamos entrar no território da Medicina Narrativa, pois se trata de uma disciplina que cria entrelaçamentos entre as humanidades médicas, particularmente com a literatura. Rita Charon define Medicina Narrativa como “a medicina praticada com competência narrativa para reconhecer, absorver, interpretar e ser sensibilizado por ‘estórias’ de doenças”, conforme citada pelo prof. Afonso Carlos Neves no site Slow Medicine Brasil.

As Flores do Mal

Charles Baudelaire, o príncipe dos poetas franceses, tem como sua obra-prima "As Flores do Mal". A ideia de spleen vem um pouco de sua época, com a poesia romântica francesa, quando o Taedium Vitae grassava pelas mentes e comportamentos dos poetas e diletantes da sociedade parisiense do século XIX que flanavam pelas ruas da Cidade Luz, às vezes embriagados de vinhos e haxixe. "Em francês, o termo spleen representa o estado de tristeza pensativa ou melancolia associado ao poeta Charles Baudelaire. O spleen baudelairiano é um profundo sentimento de desânimo, isolamento, angústia e tédio existencial, que Baudelaire exprime em vários dos seus poemas reunidos em Les Fleurs du mal. Embora o termo tenha sido muito difundido pelo poeta francês durante o decadentismo, já fora utilizado anteriormente, em particular na literatura do romantismo." (Wikiwand)

O tédio na Medicina

Mas spleen na Medicina, faz sentido? A ideia me veio à cabeça observando o comportamento de alguns médicos - alguns muito jovens! - , particularmente em ambientes de urgência (pronto-socorros e UTIs). Eles apresentavam este comportamento frente à enormidade de diversidade de quadros clínicos que se apresentam nestes ambientes, tratando os casos como se fossem todos iguais - ou muito parecidos. As doenças seguem seus rumos, e mesmo elas tendem a se manifestar de múltiplas formas. O segredo da capacidade de percepção desta minuciosidade da doença encontra-se na individualização do cuidado, um dos princípios essenciais da Slow Medicine. E se ampliarmos nosso olhar da doença para o indivíduo doente, esta diversidade atinge o infinito. Porque, além disso, o doente não vem sozinho - junto dele está sua família, sua cultura, sua etnia, seu universo - que boa parte das vezes desconhecemos completamente.

Espanto

Meu espanto veio quando deparei frente a 2 casos interessantíssimos. O primeiro era um quadro respiratório com uma evolução atípica - que talvez não se tratasse de uma pneumonia, como inicialmente avaliado, mas uma pneumonite associada à amiodarona, uma enfermidade relativamente rara em medicina. O segundo era um indivíduo que vinha apresentando uma doença aparentemente neurológica arrastada, ainda sem diagnóstico preciso, mas que podia se tratar de uma encefalopatia de Wernicke . Dois "casos interessantes" e incomuns. Ao informar o colega sobre estes dois casos a reação foi de completa indiferença, e um desinteresse gritante. Tédio. Tudo igual, sempre. Juro que isso me impressionou. Não houve uma manifestação de surpresa, "vamos conhecer melhor! puxa acho que vou estudar isso... nunca vi! e a tomografia?" Olhei aquele jovem Baudelaire entediado e fiquei triste. Medicina precisa de curiosidade, perspicácia, interesse. Os pacientes são diferentes! As doenças nem sempre são aquilo que parece que são. Não há lugar para spleen na medicina. Há lugar para entusiasmo (sem exageros, né...), contingência, afeto, cuidado. A Medicina é um lugar onde pessoas cuidam de pessoas.


Como diz Caetano Veloso, em Gente:


Gente quer comer, gente quer ser feliz

Gente quer respirar ar pelo nariz

Não, meu nego, não traia nunca essa força, não

Essa força que mora em seu coração

Gente lavando roupa, amassando pão

Gente pobre arrancando a vida com a mão

No coração da mata, gente quer prosseguir

Quer durar, quer crescer, gente quer luzir



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No momento atuo em Santa Maria, RS, em consultório privado  - Na Clínica Specialitá, em Camobi, Santa Maria, RS.. Trabalhamos com  assistência domiciliar.,

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