Uma fratura atípica
- José Carlos Aquino de Campos Velho

- 5 de abr de 2024
- 3 min de leitura
"Sem sentir, você calcula mal alguma coisa no passo e, em vez do voo, vem a queda."
Caio Fernando Abreu
O Hospital de Caridade São Roque, na cidade de Faxinal de Soturno - o coração da Quarta Colônia, no Rio Grande do Sul, é referência em Ortopedia e Traumatologia para toda a região central do estado. Isso significa que boa parte das fraturas de fêmur - vivemos uma espécie de "epidemia de fraturas em idosos" (se pudéssemos usar uma metáfora, diríamos uma endemia, como ocorre com algumas doenças infecciosas) - são encaminhadas para serem tratadas cirurgicamente no hospital.
As fratura são a ponta do iceberg
As fraturas são a ponta do iceberg de um outro fenômeno, para o qual a Geriatria e a Gerontologia se debruçam há décadas: as quedas em idosos. Quedas em idosos raramente são puramente acidentais: elas são um evento sentinela de que alguma coisa não anda bem, seja na saúde da pessoa idosa, seja no ambiente em que ela vive - e podemos salientar que a maior parte das quedas acontece na casa do idoso. Sinceramente, às vezes as casas dos idosos são verdadeiros campos minados, que eles atravessam todos os dias, e tem a sorte de não cair. Excesso de móveis, tapetes, má iluminação, falta de mecanismos de proteção em alguns ambientes (como as barras de apoio nos banheiros), os gatinhos e cachorrinhos correndo, enfim. Somando-se a isso frequentes problemas de saúde que comprometem o equilíbrio e a mobilidade (sejam neurológicos ou osteoarticulares) e o uso de fármacos - com especial atenção aos Benzodiazepínicos e Drogas Z (estamos falando de Clonazepam e Zolpidem, entre outros), tornam o idoso uma pessoa com um enorme potencial de cair. Todos os dias.
Um dia a casa cai
Portanto, serviços especializados no tratamento cirúrgico de fraturas são muito importantes, na medida em que maior experiência no manejo destes casos provavelmente trará melhores resultados. Mas a abordagem do fenômeno maior, tanto antes como depois de ocorrerem - as quedas - pode ter um enorme impacto clínico, epidemiológico, econômico e social. O cuidado das fraturas é extremamente complexo. Voltaremos a este tema.
A imagem que ilustra o post é de uma radiografia da bacia de uma paciente que sofreu uma fratura de fêmur após desequilibrar-se e cair para trás, quando tentava subir um degrau apoiada em um andador. Existe uma particularidade neste exame: a fratura do fêmur é atípica.Em geral as fraturas se localizam no colo ou no trocânter do fêmur. Esta é na diáfise. Estas fraturas tem sido descritas em pacientes que fazem uso prolongado de drogas da classe dos Bifosfonatos (Alendronato, Ácido Zoledrônico, Risedronato, Ibandronato) - usados, curiosamente, para o tratamento da Osteoporose, doença osteometabólica que cursa com .... fragilidade óssea! A tendência, atualmente, é que estes medicamentos sejam usados por 3 a 5 anos, e depois disso se faça o que se chama de drug holiday - uma pausa na utilização da droga. Depois de um ano reavalia-se a necessidade de continuidade do tratamento farmacológico. Esta decisão deve ser tomada por médicos com experiência no tratamento da osteoporose.
A paciente em questão usava um bifosfonato há cerca de 20 anos! Como citamos em um post anterior sobre curiosidade médica, nem tudo parece ser o que é. Curiosidade e uma certa dose de ceticismo são atitudes saudáveis na prática médica cotidiana.


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