O imponderável
- José Carlos Aquino de Campos Velho
- 7 de mar. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 23 de mar.
"Viver é isso: Um estado de equilíbrio constante entre tomar decisões e sofrer as consequências que elas implicam"
Jean-Paul Sartre
Aprendi essa lição com meu pai. Sobre o imponderável. É uma outra maneira de falar sobre a incerteza. Havia planejado uma viagem para Buenos Ayres. Diferente de minha juventude, onde viajar era não ter planos, pela primeira vez eu havia planejado uma viagem em detalhes (dentro do que era possível em uma época pré-internet). No dia marcado, eu iria comprar cheques-viagem (era uma maneira de ter valores em dólares para viagens ao exterior - quem viveu, lembrará) no Banco do Brasil. Porém, o avião sairia à tardinha e, pela manhã, a notícia na imprensa: greve nos bancos. Puxa vida, eu havia planejado tudo direitinho e agora essa! Foi quando meu pai falou: isso é o imponderável. Toda vez que planejares alguma coisa, leve em conta que parte dos acontecimentos não estão sob seu controle. Tenha sempre isso em consideração: o imponderável. No final das contas consegui comprar os cheques na Agência Central do BB em Porto Alegre, usando de sabe-se lá qual artifício e visitei pela primeira vez a maravilhosa Argentina. Hoje eu saía para trabalhar e estava um pouco atrasado - cerca de 10 minutos. Tudo bem. No caminho, um trem (sim, um trem) parado. Isso nunca acontece. Nunca? Bem, plano B: outra estrada (faço atendimento geriátrico em uma pequena cidade aqui perto) - obras na pista. Claro que o atraso excedeu em muito os 10 minutos.
Slow Medicine
No caminho eu ouvia uma palestra de Dennis McCullough, autor de My Mother Your Mother, geriatra e principal divulgador das ideias da Slow Medicine nos EUA. Foi quando ele falou sobre o quanto a vida - e a medicina - eram imprevisíveis. Bastava um segundo para que toda uma vida - e várias vidas no entorno - se modificassem completamente. E o quanto estas coisas acontecem a todo momento a nosso redor. Ele exemplificava com a estória de uma senhora, moradora no estado de Vermont, que havia conversado com seus filhos de que não gostaria de nunca ir para um hospital. Pois ao longo de suas quase 10 décadas de vida, nunca gostara de hospitais, não visitava pessoas hospitalizadas, seus partos tinham sido em casa, enfim, temos um trato? O filho recebe um telefonema do serviço da emergência móvel - viemos avaliar sua mãe, avisados por vizinhos. Ela caiu, provavelmente fraturou o fêmur, e não quer ser transferida para o hospital. Chegando lá, o filho encontra os paramédicos desolados e a mãe caída no chão. Todos esperando que o filho a convencesse a ir para o hospital, ouvem desesperados: a decisão é de minha mãe. Não vou, ela afirma. Podem ir embora. Mas.... Façam o que ela diz.
Então, depois de uma longa conversa da Nova Inglaterra ( 3 horas e 10 palavras murmuradas), a mãe fala: bem, me ajuda a sair daqui. O filho diz - não tem como. Como assim, e eu vou ficar aqui? Sim. Vou morrer aqui, sem poder me mexer? Sim.
Bem.... Então.... Chame-os de volta.
A ilusão do controle, a incerteza e o imponderável
A história ilustra muito bem o conceito do imponderável, uma lição (entre tantas), que recebi do meu velho pai. Na vida e na Medicina, o imponderável é um elemento cotidiano e seu aprendizado, junto com a incerteza, deve estar sempre no horizonte dos médicos e profissionais de saúde, dos pacientes, familiares e cidadãos. Na velhice, é algo tão tangível que a busca obsessiva pelas certezas pode trazer mais danos que benefícios. Qual o controle temos sobre nossas vidas, em particular a saúde?
Verão, calor, pouca roupa, uma picada de mosquito. Febre alta, dor de cabeça, dores musculares, petéquias e sangramento gengival .... Você soube? ....a fulana morreu de Dengue. Este pode ser um exemplo macabro, mas estava nos jornais ontem. Então, abraçarmos a incerteza, lidarmos com nossa ingênua ilusão de controle, e entendermos o imponderável não enquanto entrave, mas como expressão de sabedoria e flexibilidade, um instrumento para lidarmos com mais leveza com as permanentes vicissitudes da vida.

Comments