Longevos
- José Carlos Aquino de Campos Velho
- 10 de mar. de 2024
- 2 min de leitura
"Os esforços humanos para evadir ou superar a morte estão sempre fadados ao desapontamento."
J.K. Rowling
Minha mãe é nonagenária. Chamo isso de extremo etário. Nonagenários e centenários tem se tornado mais presentes e mais visíveis. Até há pouco tempo não era assim. Quando comecei minha prática geriátrica, há cerca de 25 anos, eram poucos os pacientes com mais de 85 anos. Os nonagenários eram raros.
Sabemos muito pouco destas pessoas em extremos etários, do ponto de vista médico. Talvez estejamos começando a conhecer melhor os nonagenários, pois é mais frequente sua presença nos consultórios, em razoáveis condições de saúde. Mas a maioria é bem doente, com múltiplas comorbidades, comprometimento de sua capacidade funcional e dificuldades cognitivas. Nonagenários robustos são uma raridade. Quanto aos centenários, ainda são um território inexplorado. Estamos tateando. As pesquisas médicas não contemplam esta faixa etária (nem perto disso). O que se sabe um pouco é o perfil demográfico e epidemiológico dos centenários. Olha só: se um médico disser que tem muita experiência com centenários, ou é ingênuo ou está agindo de má-fé.
Menos é mais
Uma coisa é certa. Nestes extremos etários a acepção "menos é mais" pode ser adotada como uma regra básica. Menos remédios, menos intervenções, menos especialistas, menos procedimentos, menos exames. A atenção clínica ao paciente e seus familiares é o mais relevante. Medicamentos? Intervenções? Exames? Somente se necessários e quando necessários. Sempre dentro de uma perspectiva de decisões compartilhadas: informação equilibrada, idônea, fugindo de interesses pecuniários (é triste mas é verdade) e revelando com clareza riscos e benefícios. A pressa também não é bem-vinda: decisões atabalhoadas e intempestivas podem ter resultados trágicos ( à exceção das emergências, claro). Toda decisão deve ser ponderada, refletida, discutida com o paciente (se estiver cognitivamente intacto) e seus familiares: Slow Medicine.
As pessoas em extremos etários tendem a emagrecer, perder capacidade funcional e ser mais introspectivas e afeitas às suas rotinas - existem exceções, como em tudo. Alguns poucos conseguem manter atividades sociais - aquelas que envolvem a família parecem ser as que mais as agradam. Estimular sua participação em atividades comunitárias, atividade física, passeios e programas culturais é excelente, mas também temos de ter cuidado com a dose: precisamos respeitar seus limites (para eles às vezes mais claros), tomando o cuidado de não exigir-lhes algo que está além de sua vontade ou capacidade. "Mas ela sempre foi (muito) ativa e agora que ficar só em 🏠 casa". Pode estar doente? Sim. Mas pode ser normal.
Primavera, verão, outono e inverno
As pessoas se modificam à medida em que o tempo passa, e o que era simples ou desejado até há pouco tempo pode não ser mais.
Qualidade de vida e manutenção da autonomia e da independência são os maiores objetivos no cuidado oferecido aos idosos. Mas façamos isso com leveza. Ninguém é obrigado a fazer nada que não queira. Tem hora que é melhor deixar os velhinhos em paz, com suas memórias e sua doçura.

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