A velhice imaginada: quando eu tiver 64 anos
- José Carlos Aquino de Campos Velho
- 23 de mar.
- 4 min de leitura
"Quando eu tiver sessenta e quatro anos
Todos os verões podemos alugar uma casa de campo
Na Ilha de Wight, se não for muito caro
Vamos economizar e poupar"
The Beatles - When I'm 64
When I'm 64
“When I’m sixty four” é uma música composta por Paul McCartmey e que faz parte das
canções do icônico álbum “Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band”,
gravado no não menos icônico estúdio Abbey Road, com a direção musical do mago
George Martin. Esta música fugia um pouco das características do álbum, com um
arranjo meio vintage.
A música delineia uma velhice imaginária (Paul ainda era um adolescente quando a
compôs), agradável, vivida ao lado da pessoa amada, fazendo perguntas a ela – você
ainda vai cuidar de mim? Vai me mandar um cartão postal e uma garrafa de vinho no
dia dos namorados? Eu completei 64 anos em janeiro deste ano – e no dia de meu
aniversário eu lembrei da canção. 64 anos! Não imaginei que viveria tanto.... A minha
geração é aquela que não acreditava em ninguém com mais de 30 anos, que não
O clube dos 27
É um pouco a geração dos mártires, o seleto clube dos 27: Jimi Hendrix, Janis Joplin,
Brian Jones, Jim Morrison e mais tarde Amy Winehouse e Kurt Cobain. Estas trágicas
mortes se tornaram um mito urbano – em que se acredita que os músicos morreriam
mais aos 27 anos. Porém, estudos realizados, um deles publicado no British Medical
Journal, em 2011, é uma revisão que mostrou que não haviam evidências incontestes
que a morte era mais frequente nos músicos aos 27 anos. Este mesmo estudo
sugeriu que havia um discreto aumento de mortes em músicos aos 25 e aos 32 anos,
mas não confirmou a ideia de mortes eram mais frequentes aos 27 anos. A revista The
Conversation publicou outro estudo que observava a idade média de falecimento de
músicos era de 56 anos (ainda assim muito jovens, não?). Os jovens e
talentosíssimos músicos falecidos precocemente, mostravam com frequência padecer
de um profundo sofrimento mental e um uso danoso de substâncias psicoativas.
Verdadeiramente uma tragédia.
O inconsciente não envelhece
Bem, eu não morri aos 27 anos e estou aqui, razoavelmente bem de saúde, quase na
metade da sétima década de vida. Sigmund Freud, o criador da Psicanálise, afirmava
que “o inconsciente não envelhece”. Os anos passam e nos sentimos, interiormente, a
mesma pessoa. Afinal, somos nós mesmos. Continuamos nós mesmos. E se de
repente nos defrontamos no espelho com uma intrigante figura com cabelos brancos e
rugas onde antes não existiam, sempre é uma surpresa: o tempo passa,
inexoravelmente. Talvez não nos surpreendêssemos ao enxergar em nossa frente
aquele jovem que ainda coabita o nosso corpo. Mas o espelho não mente. Aquele
velho sou eu. Dentro dele, e na nossa imaginação, todas as idades condensadas.
Sim, 64 anos. Se tivemos uma profissão e nos dedicamos amorosamente a ela ao
longo dos anos, teremos grandes possibilidades de exibirmos uma grande experiência
e expertise em nossa área. A palavra amorosamente não está ali por acaso – se o que
fazemos é objeto de tristeza e decepção, os frutos colhidos serão mais amargos. Sim,
precisamos gostar do que fazemos. Boas memórias se constroem assim, e muitas
vezes ela avalizam o nosso presente.
Sessentões: caiu a ficha?
E o que essa geração representa? Os sessentões, que dão os primeiros passos de
sua trajetória na velhice. É uma geração sanduíche: cuidou dos filhos e agora ajuda a
cuidar dos pais. Entre o conservadorismo e uma moral mais estreita e rígida da
geração que os antecedeu, os sessentões ficam comprimidos pela liberalidade e pelas
mentalidades mais tecnológicas – quase naturalmente tecnológicas, das gerações que
os sucedem.
Caiu a ficha? Pois é, se você entendeu esta frase, é provável que a maior parte de sua vida se passou no século XX. Você lembra dos orelhões, não? Das fichas telefônicas,
depois substituídas pelos moderníssimos cartões telefônicos, zelosamente guardados
na carteira – a possibilidade de comunicação quando não dispúnhamos de um
telefone fixo. Os smartphones, dos quais nos tornamos cada vez mais dependentes,
uma forma contemporânea de escravidão, nos colocam em contato com um mundo
inteiro, ali na palma de mão. Ler livros, o que geralmente é saudado como uma atitute
fundamental para o enriquecimento de nossas almas, vai se tornando mais difícil: o
mundo virtual está permanentemente disputando nossa atenção. E frequentemente a
capta, e nunca lemos tanto na vida: uma leitura fragmentária, inatenta e rápida.
Experimente ler um clássico da literatura. Parece como subir uma montanha – um esforço enorme. Mas ao chegarmos no topo da montanha – nas últimas palavras de um livro, a paisagem é bela, o ar é mais puro. Ler uma obra acrescenta um ítem a mais para a construção de uma almejada sabedoria. Enquanto o scrolling pode acrescentar lesões por esforços repetitivos – pelo menos na esfera mental.
O resto é silêncio
Perguntei para algumas pessoas: o que você identifica como uma característica de
nossa geração? A resposta foi, repetidamente, “vou pensar”. E continuam pensando.
Ninguém me respondeu. Será que sabemos pouco de nós mesmos? Serão muitas
incertezas? Felizmente chegamos aqui e a incerteza, mais do que as certezas,
passaram a fazer parte de nossas vidas. Isso é bom. Aceitar a incerteza é aceitar a
complexidade do mundo. Quem sabe, depois desta prolongada reflexão, obtenho
algumas respostas? Porque o resto, é silêncio.

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